2 de abril de 2038. O estranho
dispositivo que viveu desacordado desde o nascimento em meu corpo acabara de despertar,
carregando junto dele a morte, arrancando de mim o único vestígio de
existência. E por ironia da ciência e não do destino, estou às vésperas de
completar meio século de vida.
Há 70 anos, o governo federal
desenvolveu uma técnica de controle à natalidade que nos permitia, durante 50
anos, viver sob qualquer tipo de benefício e bens materiais. Tínhamos o que
queríamos, íamos onde quiséssemos e éramos jovens até a morte. Uma vida
perfeita, mas insuficiente. O que adianta ter tudo sem ter nada?
Recebi a criação de uma família
coberta de amor, suguei tudo que pude do sentimento materno que o mundo carecia,
mas me senti angustiado ao ver que foi ofertado a mim uma vida supérflua e
degradante. Com o passar dos anos, começa-se a perceber que nada valia quando o
mais importante faltava: o amor. Por isso, entre as mais remotas lembranças,
busquei em minha alma o real sentido de se estar ali e o encontrei.
Faltam seis horas. Vaguei pelas
ruas cobertas de ouro e prata, vi a angústia em qualquer canto que passava; na
esquina os jornais gritavam: “mais um fracasso da ciência, a morte ainda é
inevitável”. Era impossível arrancar o dispositivo do corpo, mas nunca se
faltou esperança.
Tenho três horas. Peguei minha
mulher e meus filhos e fui ver o mar, onde pretendia ficar até o fim, separei o
álbum de fotos, precisava alimentar neles o que faltava nessa sociedade
obsoleta e infecciosa:
- Peço que tenham amor e tentem
se libertar de tudo daqui. – suas carinhas me rejuvenesceram cinqüenta anos. –
Não basta ter tudo, quando não se há o que viver. Preserve os bons momentos ou
morram tentando.
E tudo acabara. O relógio parara
junto com a vida, senti a primeira pontada e era a morte chegando. Tudo o que
criei, plantei e busquei se esvaiu no pouco que pude ensinar aos que ficaram, que
dependiam de mim. Isso é um adeus. Porém, eu sei que terá um dia que não
precisaremos de limites, 50 anos não será nada. Não acredito em céu, mas busco
a felicidade porque, hoje, eu sei que o tempo é curto. Muito curto. Então peço que acredite que tudo acabará um dia. O relógio é traiçoeiro, ele pode parar sem que você espere.
Dez segundos, nove, oito, sete,
seis...
Beijos sem marcações de tempo a todos.
Izabella Rendeiro
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